Problema cresce a cada ano e preocupa construtores e autoridades
Vandré Dubiela
21/04/2013 – 00:00 | atualizado em: 22/04/2013 – 08:53
Para operários acostumados ao pesado trabalho braçal nos canteiros de obras, os perigos, camuflados pelo excesso de confiança e causados pela associação de fatores relacionados à altura, manejo de objetos cortantes e risco de descarga elétrica e soterramento, quase sempre são ignorados.
Há ainda outro agravante: o uso de drogas. Esse comportamento, cujos casos mais graves são classificados como doença inclusive pela Organização Mundial da Saúde, responde por pelo menos 20% das causas de acidentes de trabalho no Oeste paranaense.
Ao ano, são registrados entre 300 e 400 acidentes de trabalho na região, com consequente afastamento do trabalho.
Para o engenheiro de segurança no trabalho Agnaldo Mantovani, a sociedade precisa encarar o canteiro de obras como um local de trabalho. “Há uma liberdade muito exacerbada, principalmente em pequenas obras”, detecta. “Essa situação abre lacunas para o consumo desregrado e proibido de drogas nesses locais”. A NR 1 é clara ao alertar e proibir o operário de fazer uso de qualquer substância capaz de provocar alterações de comportamento, sob pena de punição e desligamento das funções.
Os acidentes de trabalho são fruto da negligência do trabalhador ou da empresa. Para Mantovani, a primeira ação de caráter preventivo é reconhecer a existência do problema, seja do operário ou do patrão. O segundo passo e contar com um assessoramento especializado, como o trabalho já oferecido pelo Sesi e Sinduscon.
SETOR AQUECIDO
O setor da construção civil está aquecido em Cascavel. Estimativas dão conta que a atividade é responsável pela geração de seis mil empregos na cidade.
Muitos operários confiam na experiência de anos trabalhando nos canteiros de obras e se arriscam, não sabendo discernir a linha tênue entre a autoconfiança e o perigo.
Um problema camuflado já começa a preocupar de maneira mais ampla os empreiteiros e proprietários de construtoras na cidade e na região. Segundo estudos recentes, a droga mais consumida nos canteiros é o álcool, produto lícito e encontrado em qualquer esquina. Os casos mais graves são registrados nas pequenas construções, onde não há uma investigação mais detalhada sobre a causa dos acidentes, diante dos poucos recursos e métodos disponíveis para tanto. Os exames periódicos seriam um bom começo para as empresas realizarem uma leitura mais fiel das condições físicas e psicológicas dos operários, e o mais importante: a obrigatoriedade no exame de sangue, capaz de detectar se o trabalhador é ou não usuário de drogas.
Quando não morrem, os operários ficam debilitados e acabam chegando ao fundo do poço, mergulhados e dominados por essa que já é considerada a doença do século. Empresas de médio a grande portes tratam a questão com mais cautela, oferecendo amparo aos operários por meio de tratamentos. Porém, há aquelas que optam em passar o problema para frente, prejudicando outras empresas.
Nos Estados Unidos, os conglomerados que implantaram sistemas de detecção de drogas reduziram em 51% as acidentes de trabalho em um período de dois anos.
Maioria das mortes sem investigação
No próximo dia 27, será lembrado o Dia Mundial em memória das vítimas de acidente de trabalho. Boa parte das mortes ocorridas nos canteiros de obras na região Oeste – e porque não dizer em todo o Brasil – deixa de ser investigada de maneira aprofundada. Todas são reconhecidas pelas autoridades como consequência de negligência na utilização dos equipamentos de segurança ou da falta deles, no caso do descaso praticado pela empreiteira da obra. Entretanto, especialistas defendem a realização de exames toxicológicos. Mesmo diante do drama já vivido pela família com a perda do ente, esse tipo de procedimento deveria ser adotado como regra, como defendem os especialistas.
O presidente do Sintrivel (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil de Cascavel e Região), Roberto Leal Americano, também aponta a inexistência de medidas investigatórias. “Sempre há uma parcela de culpa do trabalhador, mas na maioria dos casos é falha do empregador, que não fiscaliza o correto uso dos equipamentos”, observa. “Nesses incidentes, ninguém fica sabendo as reais causas que levaram a ferimentos ou morte”.
Americano revela que é procurado regularmente por empregadores apavorados com o crescente número de casos de usuários de drogas nos canteiros de obras. “É um problema de saúde pública, que atinge todas as camadas e segmentos da sociedade”.
Conforme relatos, não é somente o álcool que se mistura em meio a ferramentas e entulhos da construção civil. O crack, a cocaína e a maconha também figuram entre as drogas mais usadas por muitos operários. “É um mal que invade a obra de maneira silenciosa e letal”. Americano revela, inclusive, que conhece dois operários que há anos lutam para vencer o vício, alternando períodos de tempo limpo e recaídas.
Deterioração familiar como estopim
Entre as causas do crescimento do consumo de drogas, Roberto Americano aponta a deterioração do seio familiar. “O governo federal precisa fazer a sua parte e agir com pulso firme, injetando recursos para conter esse mal”, sentencia. Para ele, a inauguração de casas e clínicas para tratamento de dependentes não é suficiente. “Antes é preciso investir na educação, berço da civilização e dos bons costumes”. Coincidentemente, o foco das palestras proferidas pelo Sintrivel neste ano envolvem as drogas e os riscos de acidentes durante o trajeto da casa até o local de trabalho. O sindicato representa 27 municípios e um universo de 17 mil operários na região Oeste.
Dependência faz construção civil sofrer perda de R$ 20 bi ao ano
Um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostra uma realidade alarmante: o Brasil é o quinto país no mundo em número de acidentes de trabalho envolvendo operários usuários de drogas. Dos cerca de 500 mil acidentes registrados todos os anos, pelo menos quatro mil acabam em óbito.
Conforme o estudo, o uso de drogas pelos funcionários custa ao empregador tempo, produtividade, indenizações, seguro-saúde e redução de lucros.
Cálculos apresentados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) indicam que o Brasil perde ao ano R$ 20 bilhões por conta de absenteísmo (prática ou costume de se ausentar do local), acidentes e enfermidades em decorrência do uso de drogas, apenas no segmento da construção civil.
Álcool mata mais que aids e tuberculose
O álcool é a doença que mais mata no mundo. Relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta que a bebida tira a vida de 320 mil jovens por ano no Brasil e responde por 9% das mortes de pessoas entre 15 e 29 anos no mundo.
No total, 2,5 milhões de pessoas perdem a vida por ano por causa do consumo em excesso, que pode provocar ao menos 60 tipos de doenças e acidentes. Esse número de mortes é maior do que a soma das causadas pela aids e pela tuberculose.
De acordo com dados da OMS, a cada dez dependentes químicos, quatro morrem, três vivem recaindo no consumo e outros três conseguem se livrar do vício. Para o AA e o NA, a vigilância é constante e a luta para ficar limpo é renovada a cada dia.
Ainda segundo o secretário, 33 mil pessoas morrem por ano no Brasil de forma violenta. 92% dos casos estão associados às drogas e às armas de fogo.
OS SINAIS DO USO DE DROGAS
Acidentes frequentes no trabalho e fora dele
Constantes faltas ou atrasos
Saídas frequentes durante o horário de trabalho
Inabilidade para realizar determinadas tarefas
Diminuição da produtividade e da qualidade do serviço executado
Mentiras e pedidos de empréstimo de dinheiro
Lentidão na ação e na fala
Pouca preocupação com a aparência e a higiene pessoal
Estado de excitação, euforia e aumento da energia física
Constante alteração de humor
Tremores nas mãos e cãibras