Economistas pela Democracia: é preciso enfrentar o pensamento único da mídia

20 de maio de 2019

Receituário predominante de cortes e contingenciamentos deu errado em todo o mundo e aprofunda a crise no Brasil. Mercado financeiro é o único que sai vivo, e bem vivo, da destruição geral da economia.

 

Chamados todos os dias para opinar sobre os problemas econômicos do Brasil – do desequilíbrio fiscal ao crescente desemprego – , “especialistas” apresentados pela imprensa tradicional apontam sempre para uma única solução: o corte de gastos públicos como forma de aumentar a confiança dos investidores. A receita “austericida” não tem dado resultados positivos em qualquer parte do mundo e, no Brasil, não é diferente. Cortes no orçamento do governo reduzem a demanda, esfriam ainda mais o ritmo da atividade econômica, que por sua vez faz desabar a arrecadação de impostos, exigindo mais cortes para fechar as contas, num ciclo que beira o suicídio coletivo.

Para quebrar o monopólio do pensamento único neoliberal e do mantra da  austeridade, centenas de economistas se reuniram para criar a Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia (Abed). A cerimônia de lançamento da associação, que já conta com núcleos organizados em 11 estados, e também conta com participantes no exterior, ocorreu na Câmara dos Deputados na semana passada.

“A grande mídia tem de ceder espaço para outros economistas que não são vinculados ao mercado financeiro. Esse espaço não existe. Para eles, é como se existisse só um modelo de reforma tributária, apenas uma maneira de enfrentar o déficit na Previdência. Mas os economistas têm pensamentos diferentes”, afirma Adroaldo Quintela, coordenador da Abed.

Inspirada em organizações do tipo que atuam em outras áreas – como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e o movimento Médicos pela Democracia, a Abed surgiu também pela “ameaça objetiva” representada pelo “governo de extrema-direita, com traços fascistas” do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

“Está claro que vivemos ameaças a todas as conquistas democráticas, ao Estado de direito e à Constituição Federal. Os economistas não podiam ficar fora disso. São ameaças a direitos, principalmente dos trabalhadores, para favorecer o capital financeiro. Não é à toa que o Paulo Guedes foi escolhido como uma espécie de um czar superpoderoso da economia brasileira, exatamente para fazer a transferência de recursos do setor público e dos setores marginalizados da população para o setor bancário ligado ao capital estrangeiro”, diz Quintela.

A primeira “frente de batalha” da Abed é a “reforma” da Previdência de Guedes e Bolsonaro. Os economistas ligados à associação têm feito “plantão” em Brasília para assessorar os deputados e senadores que compõem a Frente Parlamentar em Defesa da Previdência, contrários à proposta do governo, que restringe o acesso e reduz os valores das aposentadorias.

As chamadas políticas de austeridade surgiram na Europa, a partir da crise internacional de 2008. “Os Estados nacionais que cortaram gastos aprofundaram muito mais a crise, como foi o caso da Grécia. Os que abandonaram essa lógica, conseguiram equacionar melhor os problemas, como mostraram Portugal e Islândia”, destaca o economista.

Por aqui, o “austericídio” teve seu primeiro ensaio ainda no final do governo Dilma, com os cortes do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que, dessa maneira, pretendia combater os primeiros sinais da crise. Ganhou força no governo Temer, que estabeleceu o chamado “teto de gastos“, congelando investimentos em áreas como saúde e educação por 20 anos. A grande jogada foi deixar de fora do congelamento o pagamento dos títulos da dívida pública, garantindo recursos aos investidores do mercado financeiro.

“Então só quem sobrevive – e veem seus lucros aumentarem – são os banqueiros e rentistas, os que vivem do complexo financeiro e de investimentos em títulos do Tesouro, que continuam sendo religiosamente remunerados, e muito bem. Agora, boa parte da população, os assalariados, os que estão perdendo empregos, sofrem as consequências dessa política contracionista deliberada que vivemos no Brasil. Para podermos ter de volta o crescimento, é preciso romper com essa política.”

 

Alternativa

O aumento da capacidade de endividamento do Estado é defendido até mesmo por economistas “ortodoxos”, como André Lara Resende. Em artigos que estão movimentando o debate acadêmico, ele defende que o governo não só pode, como deve aumentar os seus investimentos em nome de políticas “anticíclicas” – quando os investimentos privados se retraem, bem como o consumo das famílias, é hora de o Estado gastar para fazer a roda da economia girar, em vez de reforçar o ciclo recessivo.

A Abed também pretende apresentar em breve uma proposta de reforma tributária, que vem sendo chamada de reforma “cidadã” ou “solidária”, que prevê taxação sobre os mais ricos, corrigindo distorções que pesam sobre os mais pobres. “Hoje, um carro popular é tributado. Já um helicóptero ou um iate, por maiores que sejam, não sofrem tributação. Ganhos e dividendos também não pagam impostos. São lucros astronômicos que resultariam em receitas que contribuiriam para bancar a Previdência.”

Depois da “reforma” da Previdência, a tributária é a próxima grande ameaça do governo Bolsonaro. “A tentativa é antecipar a discussão, antes que o governo apresente outra reforma de cunho neoliberal que vai prejudicar ainda mais os pobres e favorecer aos mais ricos”, declara Quintella.

Além de cavar espaços na grande imprensa, a Abed pretende realizar debates regionais dessas e outras questões, envolvendo a população na discussão de alternativas econômicas que promovam a retomada do crescimento em prol do bem-estar geral, e não apenas da minoria.

 

RBA, 20 de maio de 2019