Emendas e projeto complementar ainda podem atenuar prejuízos da reforma da Previdência

25 de outubro de 2019

Proposta deve ser promulgada até 19 de novembro, mas ainda vão tramitar recursos da oposição para reduzir dificuldades dos trabalhadores para se aposentar

 


Paim e Alcolumbre no plenário do Senado durante sessão deliberativa extraordinária para votar destaque à PEC 6/2019, que altera as regras para aposentadoria: divergências quanto à reforma – EDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

 

Vista como um dos trunfos do governo Bolsonaro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, referente à “reforma” da Previdência, aprovada nesta quarta-feira (23) pelo Senado, tem vários pontos criticados pela oposição e tidos como prejudiciais para os brasileiros, mas também ficou distante do que pretendiam o Executivo e os governistas. A PEC será promulgada, mas condicionada a uma PEC paralela (133) – com temas que deixaram de ser discutidos na reforma – e a um projeto de lei complementar (PLP) com regras para aposentadoria especial de categorias com trabalho perigoso, como mineiros e profissionais que lidam com agrotóxicos, dentre outros.

Além disso, o valor da economia para as contas públicas que se previa ao longo de dez anos, pelo texto original enviado ao Congresso em fevereiro – de R$ 1,2 trilhão – vai representar, no máximo, R$ 630 bilhões por conta da retirada e substituição de vários itens. Esses números foram divulgados pelo órgão do Senado, a Instituição Fiscal Independente (IFI), segundo divulgou a Folha de S.Paulo ontem (24). Dessa forma, o governo fica a meio caminho do que pretendia. Vitória para os oposicionistas? Nada disso.

“O Brasil sai perdendo com essa reforma, claro. Mas fizemos tudo para tentar amenizar o impacto da proposta para os brasileiros”, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS), que desde 2016 vem sugerindo outras alternativas para melhoria dos gastos públicos sem que fosse preciso mexer com a previdência, tais como cobrança de dívidas de grandes empresas e bancos e taxação de grandes fortunas.

“Esse custo não estava no nosso cálculo (de R$ 800,3 bilhões)”, disse o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, ao final da votação, lamentando a redução do valor e mudanças observadas no projeto original.

Na prática, o texto aprovado ainda precisa ser promulgado, o que pode acontecer em três datas: 5, 12, ou 19 de novembro, segundo afirmou o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O que terá de acontecer durante sessão conjunta do Congresso, com deputados e senadores.

Alcolumbre disse que pretende, na mesma sessão, aproveitar para entregar à Câmara o texto da PEC paralela e o PLP com as regras para aposentadoria especial para várias categorias. A reforma terá impacto na vida de 71 milhões de trabalhadores, entre estes 1,4 milhão de funcionários públicos. Institui, pela primeira vez, idade mínima para aposentadoria. No caso dos homens, 65 anos com 20 anos de contribuição e no caso das mulheres, 62 anos com 15 de contribuição.

Entre os itens que desagradaram o governo – e fizeram parte do esforço dos oposicionistas em deixar a proposta “menos ruim”, como afirmaram vários parlamentares nos seus discursos ao longo dos últimos oito meses – destacam-se a regulamentação do direito à aposentadoria de trabalhadores em condição de periculosidade (que ainda será feita), a aprovação de várias emendas apresentadas por partidos de oposição, sobretudo PT, PCdoB e Psol, que retiraram trechos contidos no texto original e a inclusão da previdência dos servidores de estados e municípios numa PEC paralela. O Ministério da Fazenda queria retirar totalmente este item do texto, mas a proposta só foi aprovada com a promessa de que a nova proposta tramitará para discutir as demais regras para estas categorias de servidores.

Um destaque dará origem à PLP sobre as aposentadorias especiais em casos de periculosidade. O destaque foi aprovado após negociação dos líderes do governo e do secretário Rogério Marinho com o PT. O acordo permitiu a modificação do texto, a partir de um destaque aprovado no plenário. A redação anterior da PEC 6/2019, ao tratar de aposentadorias decorrentes de atividades que sejam exercidas com exposição a agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos ou prejudiciais à saúde, proibiria a concessão do enquadramento por periculosidade. Isso praticamente impediria a concessão de aposentadoria especial para trabalhadores em atividades perigosas como vigilantes, guardas de trânsito, frentistas e eletricistas.

A negociação retirou a expressão do texto e a vinculou à elaboração de um projeto de lei complementar, para regulamentar definitivamente quais atividades devem ser enquadradas como perigosas, o que vai também diminuir a insegurança jurídica e a briga na Justiça por esse direito — que era um dos objetivos do Executivo com a reforma.

 

Quem ficou de fora

As mudanças da PEC 06 acontecerão na Previdência tanto dos trabalhadores da iniciativa privada quanto do setor público federal. Por enquanto, militares e servidores públicos municipais e estaduais não estão inseridos no texto aprovado pelo Congresso – e serão contemplados por meio da PEC paralela que vai começar a tramitar na Câmara, voltada especificamente para a aposentadoria desses trabalhadores.

O texto inicial trazia a proposta de criação de um sistema de capitalização, no qual o trabalhador pouparia para a própria aposentadoria, diferente do que é praticado hoje, em que o sistema é “obrigatório, contributivo e solidário” – que terminou não sendo aceito.

Além disso, na versão apresentada pelo governo, as pessoas com mais de 60 anos de idade e de baixa renda receberiam inicialmente R$ 400, em vez de um salário mínimo. Haveria também modificação na aposentadoria rural, no tempo mínimo de contribuição – que seria igual para homens e mulheres (20 anos) -, e no período de 40 anos em que as mulheres contribuiriam para terem o direito de se aposentar com 100% do valor da do benefício, entre outras medidas.

Uma das primeiras alterações feitas ao texto original foi a redução de 20 para 15 anos do tempo mínimo de contribuição para homens poderem se aposentar, por exemplo.

Para quem já está no mercado de trabalho, haverá regras de transição. Uma de sistema de pontos, que prevê o somatório entre a idade do trabalhador e o tempo de contribuição – aumentando um ponto a cada ano, chegando a 100 para mulheres e 105 para homens.

A segunda regra trata da soma do tempo de contribuição e da idade mínima para se aposentar. Com isso, a idade mínima começa em 56 anos para mulheres e 61 para homens, subindo a cada ano até atingir 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens). A transição acaba em 12 anos para mulheres e em oito anos para homens, com um tempo mínimo de contribuição é de 30 anos para mulheres e 35 para homens.

A terceira regra de transição para quem já está trabalhando diz respeito a um tempo de contribuição para quem está próximo de se aposentar. Nesses casos, o tempo mínimo de contribuição é de 30 anos para mulher e 35 anos para homem. Quem estiver a um ano da aposentadoria deverá trabalhar mais seis meses, totalizando um ano e meio. O fator previdenciário ainda estará valendo.

A quarta regra é a aposentadoria por idade. A partir de janeiro de 2020, haverá um acréscimo de seis meses na idade mínima de aposentadoria da mulher. Ou seja, a regra inicial de 60 anos de idade e 15 de contribuição chegará a 62 anos em 2023.

Na quinta regra de transição, chamada de pedágio de 100%, o trabalhador vinculado ao INSS, os servidores da União e os professores terão de contribuir o dobro do tempo que faltava para a aposentadoria para que se possa aposentar com o valor integral.

Para quem ainda não ingressou no mercado de trabalho, a regra é idade mínima de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens) e um tempo mínimo de contribuição: 15 anos (mulheres) e 20 anos (homens). Há ainda regras diferenciadas para cada categoria, como os servidores públicos da União, os trabalhadores rurais, professores, policiais federais, rodoviários federais e legislativos.

valor da aposentadoria será calculado com base na média de 100% do histórico de contribuições do trabalhador. Se for escolher se aposentar por tempo de contribuição, ao atingir o tempo mínimo (20 anos para homens e 15 anos para mulheres do setor privado), os trabalhadores do regime geral terão direito a 60% do valor do benefício integral, com o percentual subindo dois pontos para cada ano a mais de contribuição.

Já as mulheres terão direito a 100% do benefício quando somarem 35 anos de contribuição. E os homens terão direito a 100% do benefício quando completarem 40 anos de contribuição.

 

Distância da realidade

Conforme a avaliação de entidades diversas sobre o impacto das mudanças nas regras previdenciárias, que entrarão em vigor 90 dias após a promulgação da PEC, a idade mínima como critério para aposentadoria continua sendo injusta, porque desconsidera as diferentes expectativas de vida dentro do Brasil.

Além disso, a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens proposta pelo governo atual é muito alta e próxima da média de expectativa de vida de alguns estados, o que tem levado à famosa frase utilizada ao longo do ano por vários brasileiros: “Vamos ter de trabalhar até morrer”. Até porque, na visão de técnicos previdenciários como o economista Arnaldo Silveira, que possui escritório de consultoria em Brasília e Curitiba, “aumentar o tempo de contribuição mínima para 20 anos para os homens é desconsiderar a realidade brasileira e dificultar o acesso à aposentadoria”.

Passadas pouco mais de dez horas da votação final da PEC o assessor técnico da Câmara dos Deputados Flavio Panelli Vaza avaliou que o sistema previdenciário brasileiro poderia sim passar por reformas, mas o texto que vai ser promulgado não dá conta da necessidade social do país. “Se tivéssemos de pensar numa reforma da Previdência, esta teria que questionar o problema de quase 40% da população que nunca vai se aposentar. Essa é a principal reforma da Previdência, mas passou ao longo da reforma concluída ontem”, disse, acrescentando ainda que “o resto são ajustes”.

O advogado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) Diego Querulli lembrou que muitas mudanças ainda podem ser feitas durante a discussão dos pontos da regulamentação da PEC. “Agora é que vai vir a lei que vai regulamentar tudo o que foi aprovado ontem. Essa lei só tem uma coisa que a vincula, que é a idade mínima. Todo o restante pode ser mudado”, afirmou, em tom otimista.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) voltou a criticar a proposta de um modo geral. “Como é que o Congresso Nacional vota para que um trabalhador, se sofrer um acidente ou tiver um AVC fora do local de trabalho, só consiga se aposentar com menos de 60% do salário? Isto é no mínimo desumano”, frisou.

Alcolumbre, que no início ensaiou fazer jogo duro para conseguir negociar outros itens da pauta do Congresso com o governo mas depois trabalhou fortemente pela aprovação da PEC, pediu para que os parlamentares parassem de dizer que tinham saído ganhando ou perdendo. “Aqui ninguém ganhou ou perdeu, todos nós ganhamos”, disse, em meio a protestos de muitos senadores.

Paim, por sua vez, destacou que as poucas concessões foram conseguidas por meio de destaques aprovados que mudaram o texto principal ao longo da tramitação da matéria. De acordo com o senador petista, o debate sobre o tema vai continuar na tramitação da PEC paralela, que está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. “Nós salvamos milhões de pessoas. Outros milhões serão atingidos. Esse debate agora vai ser em cima da PEC paralela”, disse.

 

RBA, 25 de outubro de 2019