Fim do fator previdenciário elimina desaposentadoria

26 de junho de 2012

 

Paulo Paim, senador (PT-RS)
Nesta semana, o Senado pode decidir pelo fim do voto secreto no Congresso Nacional. A proposta mais radical e em estágio mais avançado de tramitação é a do senador Paulo Paim (PT-RS). Pelo projeto do petista, o voto secreto seria abolido em casos de cassação de mandato, vetos presidenciais e indicação de ministros para os tribunais superiores. Em entrevista à Gazeta do Povo, Paim disse que o segredo é a porta aberta para livrar políticos corruptos da cassação do mandato. Metalúrgico e sindicalista, ele ainda defendeu o fim do fator previdenciário e uma política de valorização dos aposentados.
Por que o senhor defende o fim do voto secreto em qualquer votação no Congresso?
O primeiro discurso que eu fiz em 1987, quando cheguei ao Congresso, foi exatamente pedindo o fim do voto secreto. A PEC de minha autoria deixa o Congresso transparente, porque o homem público não pode ter vergonha do seu voto e deve assumir suas responsabilidades, seja em cassação mandato, apreciação de veto ou escolha de autoridade. Estou em Brasília há 26 anos e, nesse período, apreciamos mais de 5 mil vetos. Em 90% deles, o projeto tinha sido aprovado por unanimidade, mas, quando o veto chegou ao Congresso, onde a votação é secreta, ele foi mantido em todos os casos. Não me lembro de um único caso em que o veto tenha sido derrubado sem acordo com o Executivo. É uma farsa, uma falácia ter um discurso quando o voto é aberto e mudar radicalmente quando é fechado. Foram, no mínimo, 5 mil votações mentirosas. Quando você vai para o Legislativo, a população te passa uma procuração para você representá-la e você precisa prestar contas. Isso é feito mostrando como você vota. Espero que, depois de seis anos que a PEC foi aprovada na CCJ, enfim o Senado vote a matéria. Há uma pressão popular muito grande para isso. Uma recente pesquisa mostrou que 98% dos entrevistados se declarou a favor do fim do voto secreto em todos os casos. Espero que o Congresso tenha sensibilidade para isso e termine com essa questão do voto secreto. Nessa onda positiva de transparência e de combate à corrupção e à impunidade, cada um tem de assumir suas posições. Precisamos dar um salto de qualidade e abolir o voto secreto como outros países já fizeram. O próprio Executivo pratica o voto aberto, já que a presidente tem de se expor ao justificar porque vetou um projeto. Por que o parlamentar tem de se esconder de forma esperta, podendo votar de uma forma no voto aberto e de outra no fechado? O voto secreto é um voto irresponsável, você não assume a responsabilidade por seus atos.
Para o senhor, o voto secreto é uma porta para o corporativismo nas votações de cassação de mandato?
Não tenha dúvida disso. Veja o caso da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) no ano passado. Quando o voto foi aberto, ela foi afastada. Mas quando foi secreto no plenário, a ampla maioria votou pelo não afastamento. Quando o voto é aberto, a maioria vota pelo apelo popular, mas, quando é secreto, vota-se conforme os interesses que o parlamentar entenda ser melhor para ele. O voto aberto é uma questão de coerência, coragem e responsabilidade.
Há chance de a PEC ser votada a tempo de ser aberto o voto no processo de cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO)?
Tempo há, pode não haver vontade política. Isso (falta de tempo hábil) é argumento daqueles que não querem votar. A PEC está há seis anos esperando ser votada em plenário. Houve tempo de sobra e não votaram. Hoje, temos maioria para aprovar o projeto, mas não tenho certeza se da forma que eu quero, com o fim do voto secreto em todas as situações. Não sei se vão acatar essa minha posição.
Se a votação for secreta, o senador Demóstenes pode ser salvo pelos colegas?
Claro que pode. Embora os parlamentares digam isso (ser a favor da cassação), quando se vota, o painel só mostra a confirmação do voto, mas não como votou. Por isso, sou contra manter o voto secreto, porque as pessoas dizem uma coisa e agem de outra forma. Meu voto e da bancada do PT será pelo afastamento e cassação do senador.
Como estão as negociações no Congresso em torno do fim do fator previdenciário? A discussão parece ter perdido força nos últimos meses.
Pela primeira vez, a Câmara aprovou o requerimento de urgência para aprovar o nosso projeto que acaba com o fator previdenciário. Mas o governo está vacilando se aceita ou não a proposta. Eu diria que é possível votar, mas tem de haver vontade política também. Hoje, o servidor público pode se aposentar de duas formas. Na primeira, 55 anos para as mulheres e 60 para os homens ou 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens. A outra é a 85/95, em que vale a soma de idade e tempo de contribuição: 85 anos para mulheres e 95 para homens. Trata-se de uma proposta alternativa que surgiu e que já é adotada no serviço público há algum tempo. Com certeza, a 85/95 é melhor que o fator previdenciário. Pior que ele não existe. Pelo fator, mulheres e homens precisam ter 66 anos para se aposentar com valor integral e esse número aumenta cada vez mais. Pela 85/95, o tempo cai para 55 anos no caso das mulheres e para 60 no caso dos homens.
Mas o governo alega que o fim do fator comprometeria as contas da Previdência, que já são deficitárias.
É uma bobagem sem procedentes. Quem pega o fator é só o assalariado, só o regime geral da previdência, cujo superávit é de R$ 15 bilhões por ano. Com o fim do fator, haverá um gasto de R$ 2 bilhões por ano, deixando, portanto, uma sobra de R$ 13 bilhões. Além disso, o governo ainda vai escapar da desaposentadoria ao longo da caminhada. Hoje, o trabalhador está se aposentado, continua trabalhando e, lá na frente, pede a desaposentadoria, para se aposentar com salário integral. Então, para o governo, é melhor aprovar o fim do fator. Espero que eles entendam isso e que consigamos aprovar o projeto até o fim do ano.
O senhor é a favor de uma reforma ampla da Previdência?
Sim, mas tem de ver que reforma é essa, qual o seu objetivo e a serviço de quem ele viria. Se for adotado o sistema universal, com direitos iguais para todos, eu sou a favor, viria em uma boa hora. Por que eu, por exemplo, me aposento como parlamentar recebendo R$ 27,6 mil e não pego fator, enquanto o trabalhador se aposenta com R$ 3 mil e pega fator? É justo isso? Eu considero um crime.
Na visão do senhor, o equilíbrio financeiro do Estado é sempre mantido em detrimento do trabalhador?
É um equívoco muito grande do governo dizer que, com o déficit da Previdência, vai ter de pagar a conta. O governo não paga nada, não é nem dono do dinheiro da Previdência. Esse é um dos poucos institutos em que o dono é o trabalhador. O dinheiro é nosso e não do governo, que só administra os recursos. Além disso, governos passados retiraram dinheiro da Previdência para outros fins — Transamazônica, Brasília, Itaipu — e foram desleais com os trabalhadores. A Previdência é um fundo dos trabalhadores, que, se fosse bem gerido, teria superávit 10, 15 vezes maior do que tem hoje. Isso daria para acabar com o fator previdenciário e ainda manter uma política de reajuste real para os aposentados.
Essa política tem chances de ser aprovada, diante da resistência do governo?
O que não pode é não ter nenhuma política para o aposentado. Ou, em pouco tempo, todo aposentado e pensionista do regime geral da Previdência vai estar ganhando só um salário. Há 15 anos, 12 milhões de aposentados recebiam o mínimo. Hoje, são 20 milhões. Há pessoas que se perguntam: por que vou pagar aposentadoria sobre dez salários? Eles vão pagar sobre um, pegar o resto do dinheiro e investir na poupança. Plano de saúde, remédio, tudo sobe acima da inflação, enquanto a renda do aposentado só encolhe.
O senhor concorda com as afirmações de que é um dos poucos petistas que ainda defende as bandeiras originárias do partido?
Sou chamado de o último dos moicanos (risos). Acho que alguns companheiros, a partir do momento em que viraram governo, assumiram a posição da governabilidade, que eu respeito. Mas entendo que outros têm de manter o princípio de rebeldia, de independência e de coerência com a história. Acho que fico mais no campo da rebeldia, mas respeito aqueles que entendem que, em nome da governabilidade, têm de centrar atuação somente em defender propostas apresentadas pelo governo. O governo não é do PT, mas de uma coalizão de forças de 12 partidos, que hoje dão sustentação política à presidente eleita. E não dá para dizer que eles foram mal, eu reconheço. Tivemos muitos avanços mesmo em meio à crise econômica mundial. Mas sou daqueles que quer mais e, por isso, mantenho a posição de questionamento em áreas que temos de avançar: saúde, aposentados, educação. Não quero continuar com um país que tem a quarta maior concentração de renda do mundo, quero uma distribuição de renda equilibrada.
Como o senhor está vendo as polêmicas em torno do julgamento do mensalão e da CPMI do Cachoeira?
Isso está sendo discutido no STF, que vai dar a sua posição para ver quem é ou não culpado. Decisão do Supremo não se discute, se cumpre ainda que você discorde dela. Já CPMI é isso, um instrumento político. Ali o julgamento é político. É natural que haja um embate entre forcas políticas e os personagens envolvidos. Só espero que a comissão cumpra o seu papel, vá fundo nas questões doa a quem doer e quem cometeu ato ilícito terá de ser punido, com devolução de bens que foram adquiridos indevidamente e a perda do mandato seja quem for.
O senhor é amigo pessoal do ex-presidente Lula e da presidente Dilma. O que mudou em relação ao governo anterior?
Não mudou nada. Ela foi chefe da Casa Civil do Lula e foi indicada por ele para ser presidente. Ela continuou o processo que o Lula vinha fazendo, assim como ele continuo muita coisa que o Fernando Henrique fez, como o real, o combate à inflação. A Dilma mudou apenas a forma de agir, mas a política econômica e social é a mesma. Ela está dando continuidade a um governo que estava e está dando certo. É uma sequência de um bom trabalho, que está dando continuidade aos processos de mudanças no Brasil iniciados a partir do Lula e, também, com méritos do Fernando Henrique, principalmente no combate à inflação. O grande lance foi ter eleito uma mulher, o que foi uma quebra de paradigma, de um tabu. Ela tem tudo para se reeleger.
Fonte: Gazeta do Povo, 24 de junho de 2012