Governo enfia contrabando trabalhista na “reforma” da Previdência

11 de março de 2019

Equipe de Bolsonaro aproveita onda da “reforma” previdenciária para tentar tirar mais direitos dos trabalhadores.

 

 

 

O jornal Folha de S. Paulo informa que especialistas em direito previdenciário que se debruçam sobre a proposta de “reforma” da Previdência apresentada pelo governo estão se deparando com temas que dizem respeito à área trabalhista. “Para Ives Gandra da Silva Martins Filho, ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho), a reforma da Previdência segue na linha do ajuste fiscal do teto de gastos quanto ao setor público e na linha da reforma trabalhista quanto ao setor privado”, diz o jornal.

Uma das mudanças com maior potencial de impacto envolve o custo previdenciário que recai sobre a folha de pagamento — e soma cerca de 30% do custo da mão de obra. Pelo texto da “reforma” de Jair Bolsonaro (PSL) que está no Congresso, trabalhadores poderão escolher se vão contribuir pelo atual regime de Previdência — de repartição, em que as pessoas na ativa sustentam o benefício dos aposentados — ou por um novo modelo de capitalização, no qual cada trabalhador faz sua própria poupança. 

 

Aposentado terceirizado

A Folha explica que a capitalização ainda seria regulamentada por lei complementar, mas a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Previdência já abre espaço para que o recolhimento dos empregadores seja facultativo nesse regime. “Hoje, o segurado pelo INSS recolhe de 8% a 11% sobre seu salário de contribuição, dependendo do valor da remuneração, enquanto o empresário recolhe 20% sobre a massa dos salários dos empregados”, detalha. 

A leitura é que a contribuição do empregador não será aplicada sobre o salário do funcionário que estiver no regime de capitalização, o que reduziria o custo de mão de obra para a empresa. O trabalhador, por sua vez, ainda contribuiria, mas dentro de regras e com valores a serem definidos. Em nota, diz a Folha, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho disse que a PEC “propõe ajustes pontuais em temas de contato entre Previdência e trabalho”, mas disse não ser o objetivo antecipar medidas na área de trabalho e emprego.

Luiz Guilherme Migliora, sócio do Veirano Advogados, diz ver similaridades entre as linhas propostas para a “reforma” da Previdência de agora e a trabalhista de 2017 — que quis reduzir custos empresariais e flexibilizar acordos. “Estamos falando de um governo [Bolsonaro] que quer criar mecanismos para reduzir o custo dos empresários, o chamado ‘custo Brasil’, e a contribuição previdenciária é um grande elemento desse custo.”

O jornal ouviu também Sólon Cunha, sócio do Mattos Filho e professor da FGV Direito SP. Ele ressaltou que referências ao mundo do trabalho aparecem também na proposta da “reforma” de isentar empresas de recolher o FGTS de aposentados que continuam trabalhando e pagar multa do fundo em caso de demissão desses empregados. Cunha lembra que a “reforma” trabalhista impôs uma quarentena para contratados virarem terceirizados, mas excluiu os já aposentados da regra. “Isso foi uma primeira porta para terceirizar o aposentado imediatamente. A segunda acaba de ser aberta com a questão da multa.”

 

Limites do Estado

O chefe da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (PSDB-RN), já indicou que o governo estuda ainda atrelar o sistema de capitalização a uma nova modalidade de contrato, a carteira verde e amarela. A Folha constata que com menos custos, especialistas apontam que, na prática, a opção por uma carteira e seu respectivo regime previdenciário será menos do trabalhador e mais da empresa. Sem um controle, “a tendência é a nova carteira se tornar a realidade”, diz Ivani Contini Bramante, desembargadora do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo e região) e professora da Faculdade de Direito de São Bernardo.

Otávio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro e professor da USP, lembra a instituição do FGTS, que tornou letra morta artigo da CLT assegurando estabilidade ao trabalhador com dez anos ou mais de empresa. “Ele teria a opção de escolher. Na prática, ou concordava com o fundo ou não teria o emprego. É importante falar em alternativas para as empresas gerirem suas relações, mas, sem proteções mínimas, cria-se um mecanismo de negociação em que, muitas vezes, o trabalhador não tem opção de escolha real.”

Esses limites definidos pelo Estado, para especialistas, poderiam incluir a validade da carteira verde e amarela apenas para o primeiro emprego, limitação de prazo do contrato, porte das empresas elegíveis e percentual de cargos contratados pela carteira. “Não existe negociação com uma pessoa em inferioridade técnica, econômica e jurídica. Se deixar o mercado regular, vamos ver o domínio do mais forte”, diz Jorge Pinheiro Castelo, advogado trabalhista e conselheiro estadual da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

 

Vermelho, 11 de março de 2019