In dubio pro reo livra condenada por estelionato contra INSS

17 de fevereiro de 2020

Mesmo que todos os indícios apontem para a autoria de um crime, o Judiciário não pode condenar o denunciado sem que as provas coletadas sejam realmente robustas, contundentes, sem deixar margem para qualquer dúvida. Caso contrário, prevalece o princípio do in dubio pro reo.

Com este clássico fundamento, a maioria da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aceitou apelação de uma professora condenada a um ano de prisão por ter sacado ilegalmente a pensão da mãe adotiva pelo período de dois anos após o falecimento dela, dando um prejuízo ao erário de R$ 20 mil.

Por ter mantido em erro o INSS, mediante meio fraudulento, ela acabou denunciada por estelionato, crime tipificado no artigo 171, caput e parágrafo 3º, do Código Penal.

Com o reconhecimento de dúvida sobre a autoria do fato criminoso, a ré acabou absolvida com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal — falta de provas para amparar condenação.

 

Sentença condenatória

No primeiro grau, a 3ª Vara Federal de Santa Maria (RS) julgou totalmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, por entender que a materialidade e a autoria restaram provadas no processo-crime.

O juiz federal Rafael Tadeu Rocha da Silva disse que a ré, como procuradora, era a responsável pelo controle e gerenciamento das contas bancárias da mãe após o agravamento de sua enfermidade, que a impedia de se deslocar à agência bancária para receber a pensão do falecido marido. Assim, tinha a obrigação de informar à autarquia previdenciária o óbito da beneficiária de pensão — o que não fez.

“Logo, sendo a denunciada pessoa com instrução (nível superior completo), tenho que deveria ter agido com zelo, comunicando o INSS do falecimento, haja vista a possibilidade de morosidade de comunicação entre o Cartório de Registro de Imóveis de São Sepé-RS e a agência do INSS daquela cidade. Assim, entendo que se a ré tivesse agido com prudência, não só os eventos ora tratados não teriam ocorrido como também o prejuízo ao Erário’’, escreveu na sentença condenatória.

Para o juiz, ainda que se acolhesse o argumento de que a ré não foi a pessoa que fez os saques irregulares no caixa eletrônico — mas a irmã, que vivia com a mãe —, não dá para aceitar o seu “comportamento desidioso”. Afinal, no fim das contas, a sua “indiferença” para com os procedimentos administrativos decorrentes do falecimento da mãe causou lesão aos cofres da autarquia, merecendo “reprimenda legal”.

 

Reviravolta no TRF-4

O relator da apelação-crime no TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, referendou os fundamentos da sentença, confirmando a condenação nos termos em que proposta pelo MPF.

A seu ver, a instrução processual comprovou que a apelante tinha plena consciência da ilicitude de seus atos, locupletando-se em detrimento do INSS, sabendo que o benefício pertencia à sua mãe, já falecida.

Entretanto, Thompson Flores restou vencido pelo voto divergente apresentado pelo desembargador João Pedro Gebran Neto. Este considerou a materialidade do crime “certa e inconteste”, mas não a autoria.

Para o julgador, o acervo probatório não traz elementos de convicção suficientes que indiquem, acima da dúvida razoável, que a denunciada tenha sacado os benefícios no banco.

Para embaralhar mais o caso, o processo informa que a irmã é que detinha a posse do cartão magnético, tanto que, em juízo, admitiu que fazia saques da pensão a pedido da mãe. Em síntese, observou Gebran, as testemunhas não apontaram quem ficou recebendo o benefício, nem mesmo o banco, pois não existem câmaras de vídeo na caixa de auto-atendimento.

“De mais a mais, considerando que L. foi a responsável pelo registro dois dias após o óbito de sua mãe, e, por sua vez, de que o Registro Civil de Pessoas Naturais se encarregaria de repassar a informação ao INSS referente ao óbito, com consequente cancelamento dos benefícios percebidos por sua mãe (pensão por morte), evidencia-se a boa-fé da acusada”, concluiu Gebran no voto.

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Ação Penal 5007010-36.2016.4.04.7102/RS

 

Conjur, 17 de fevereiro de 2020