Insegurança jurídica da extinção da multa do FGTS por Medida Provisória

17 de dezembro de 2019

A Medida Provisória 905, publicada no Diário Oficial da União em 12/11/2019, cria o “Contrato de Trabalho Verde Amarelo”, voltado para o fomento de empregos para os jovens e prevê, em seu artigo 25, a extinção da contribuição do adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a partir janeiro de 2020.

Atualmente a contribuição adicional de 10% incidentes sobre os depósitos em contas vinculadas ao FGTS deve ser paga no caso de rescisão sem justa causa do contrato de trabalho.

Em um olhar simplista, trata-se de uma excelente notícia ao empresariado, uma diminuição na carga tributária incidente sobre a dispensa imotivada a partir do próximo ano. Entretanto, infelizmente, não é bem assim!

Isso porque se a medida provisória não for convertida em lei no prazo de 120 dias, contados de sua edição, perderá sua eficácia, voltando a viger a obrigatoriedade do recolhimento do adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Exatamente assim, a exigência da contribuição do adicional retorna e qualquer planejamento tributário visando a economia na dispensa imotivada não se sustentará.

Como se sabe, a medida provisória é um instrumento normativo com força de lei, adotado pelo Presidente da República, em casos de relevância e urgência, produzindo efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para sua transformação definitiva em lei.

Logo, a medida provisória apenas tem o condão de suspender os efeitos da norma no ordenamento jurídico ante sua precariedade e, apenas sua conversão em lei revogará norma anterior. Esse é exatamente o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário. Assim, aprovada a medida provisória pela Câmara e pelo Senado, surge nova lei, a qual terá o efeito de revogar lei antecedente. Todavia, caso a medida provisória seja rejeitada (expressa ou tacitamente), a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter eficácia.
(ADI 5.709, ADI 5.716, ADI 5.717 e ADI 5.727, rel. min. Rosa Weber, j. 27-3-2019, P, DJE de 28-6-2019.)

Já houve ampla discussão no meio jurídico sobre a utilização da medida provisória em matéria tributária. O tema relativo à possibilidade de se disciplinar matéria tributária por meio de medidas provisórias que, por previsão constitucional, têm força de lei, anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional 32/2001, já foi enfrentado pelo Pleno do STF quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.667-9/DF, de relatoria do então ministro Ilmar Galvão, publicada no Diário de Justiça de 21 de novembro de 1997:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NOVA REDAÇÃO DADA AO PARÁGRAFO 2º DO ART. 21 DA LEI Nº 8.692/93, PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.520/93. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 62; 150, I, III, B E § 6º; E 236, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Contrariamente ao sustentado na inicial, não cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença, ou não, dos critérios de relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição de medida provisória (cf. ADIs 162, 526, 1.397 e 1.417).

De outra parte, já se acha assentado no STF o entendimento de ser legítima a disciplina de matéria de natureza tributária por meio de medida provisória, instrumento a que a Constituição confere força de lei (conforme ADIMC 1.417).
Ausência de plausibilidade na tese de inconstitucionalidade da norma sob enfoque. Medida cautelar indeferida.

E, apesar do entendimento da mais alta corte do país encontrar-se sedimentado sobre a viabilidade de questões tributária serem reguladas por medidas provisórias e a nova redação do artigo 62 da Constituição Federal, oriunda da Emenda Complementar 32/2001, cabe aqui uma reflexão: adotar este instrumento com eficácia precária, em matéria tributária, não viola o princípio da segurança jurídica?

O princípio da segurança jurídica tem como objetivo fazer com que a relação do contribuinte com o fisco seja assente e que este não seja surpreendido, o permitindo saber exatamente suas obrigações e assim se planejar.

O princípio da segurança jurídica decorre da lei estável, sem o respeito ao princípio da proteção da confiança, cairá no vazio, tornando-o um princípio inútil.

O vilipêndio ao princípio da segurança jurídica é exatamente o que ocorre na previsão de extinção da contribuição pela medida provisória 905/2019. Resta claro que, caso a medida provisória não seja efetivada, a contribuição adicional de 10% incidentes sobre os depósitos em contas vinculadas ao FGTS será restabelecida, retomando sua exigência em meados de março de 2020.

Nossa segurança jurídica em matéria tributária, vista sob o prisma substancial, é uma das piores e obriga a qualquer aplicador do direito a responder quando indagado sobre a questão da extinção da contribuição com uma grande interjeição de advertência: Olha! Depende!

 

Conjur, 17 de dezembro de 2019