Krueger e o salário mínimo

22 de março de 2019

Alan Krueger, morto neste fim de semana, revolucionou o pensamento econômico

 

Em artigo no jornal The New York Times sobre o extenso trabalho de pesquisa de seu colega professor na Universidade de Princeton e ex-assessor econômico de Barack Obama Alan Krueger, que morreu no fim de semana passado, Paul Krugman resgatou, entre outros artigos, o estudo mais influente dele, publicado em 1994 em coautoria com David Card.

No trabalho, intitulado “Minimum Wages and Employment: a Case Study of the Fast Food in New Jersey and Pennsylvania”, Card e Krueger revolucionaram a área não apenas pelo método utilizado, que partiu de um experimento controlado para estimar o impacto de uma política pública, mas sobretudo por não encontrarem o tal efeito negativo de aumentos do salário mínimo sobre o emprego, típico de manuais de introdução à economia.

Em um arcabouço em que o equilíbrio no mercado de trabalho se dá como no mercado de bens, o aumento do salário mínimo reduz a demanda por trabalho, pois torna a mão de obra mais cara, e eleva a oferta de trabalho, pois incentiva os trabalhadores a trabalhar para ganhar mais: o resultado seria um excesso de oferta de trabalho em relação à demanda, ou seja, um aumento do desemprego.

Card e Krueger estimaram o efeito do aumento do salário mínimo de US$ 4,25 para US$ 5,05 por hora concedido em abril de 1992 em Nova Jersey a partir da construção de uma amostra de 400 restaurantes de fast food do próprio estado de Nova Jersey e do leste do estado da Pensilvânia, região vizinha em que o aumento do salário mínimo não ocorreu.

O resultado encontrado foi que, apesar do aumento nos salários, o emprego em tempo integral em Nova Jersey não caiu em relação ao na Pensilvânia, até aumentou um pouco (ainda que de modo estatisticamente não significante).

Múltiplos estudos foram produzidos desde então na linha de pesquisa que passou a ser chamada de “New Minimum Wage Research”, encontrando efeitos nulos ou muito pequenos do salário mínimo sobre o emprego, como apontou Charles Brown no “Handbook of Labor Economics”, em 1999. Em 2014, Dale Belman e Paul Wolfson examinaram os resultados de 70 artigos dessa literatura e concluíram a partir de uma meta-análise que o impacto do salário mínimo sobre o emprego é muito pequeno ou insignificante.

No Brasil, a valorização real do salário mínimo de 60% entre 2003 e 2012 tampouco apresentou resultados negativos sobre a geração de empregos formais, conforme estimado por Fernando Satiel e Sergio Urzúa em artigo de 2017.

Além disso, o aumento do salário mínimo teria respondido pela maior parte da queda nas desigualdades salariais observadas entre 2004 e 2014 (e mais ainda entre as mulheres), de acordo com os resultados do trabalho de Bruno Komatsu e Naércio Menezes Filho publicado em 2015.

Um painel do Forum IGM organizado em 2013 pela Booth School of Business da Universidade de Chicago reuniu 41 economistas influentes e realizou uma enquete sobre a proposta do governo Obama de aumentar o salário mínimo para US$ 9 por hora e indexá-lo à taxa da inflação. 

O resultado foi que somente 34% dos economistas presentes concordaram com a proposição de que a medida tornaria mais difícil para trabalhadores menos qualificados conseguir empregos. Além disso, 47% se disseram a favor da política, 14% foram contra e os demais declararam não ter certeza.

Embora o mesmo resultado dificilmente fosse observado em enquete similar realizada no Brasil, já está claro que a “New Minimum Wage Research” impactou o pensamento econômico de forma significativa nas últimas duas décadas. Alan Krueger merece, portanto, todas as homenagens que vem recebendo.

 

Laura Carvalho – Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”.

 

Folha de São Paulo, 22 de março de 2019