TRABALHO ESCRAVO
Por Rodrigo Haidar
A inclusão de empresas na chamada lista suja do Ministério do Trabalho (MTE), onde são relacionadas pessoas físicas e jurídicas que mantêm trabalhadores em condições análogas à de escravos, não permite qualquer espécie de direito de defesa. É o que demonstra processo em andamento no Superior Tribunal de Justiça, em que a MRV Engenharia tenta que seu nome seja excluído do cadastro governamental.
A MRV, responsável pela construção de mais de 30% dos imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida, um dos principais projetos do governo Dilma Rousseff, soube pelo serviço de alertas do Google que seu nome havia sido novamente incluído na lista de quem explora trabalho escravo, nos últimos dias do ano passado. Sem ter recebido qualquer notificação do Ministério do Trabalho.
A inclusão na lista suja tem como consequência restrições comerciais graves, como a suspensão de crédito e contratação de financiamento com bancos estatais e privados. Restrições que podem inviabilizar empresas. Mas não existe processo administrativo para que as acusadas de explorar mão de obra escrava ou de submeter trabalhadores a condições degradantes de trabalho possam se defender.
Os advogados da MRV, Luciana Lóssio, Técio Lins e Silva e Daniela Marocolo, entraram com Agravo Regimental no STJ, na última sexta-feira (18/1), para tentar reverter a decisão do presidente da corte, Felix Fischer, que rejeitou o pedido de exclusão do nome da empresa da lista por entender que o ato não é do ministro do Trabalho. Logo, a competência para julgar a matéria não seria do STJ.
No recurso, os advogados sustentam que a inclusão da empresa na lista não respeitou à Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal. Os advogados mostram que a jurisprudência do próprio STJ diz que deve haver o respeito ao devido processo legal na esfera administrativa.
De acordo com a defesa da MRV, seu nome apareceu no cadastro do Ministério do Trabalho “como mágica, sem a existência de uma decisão, de um ato administrativo contendo tal determinação, e tampouco de intimação”. Como os advogados registraram no pedido feito ao STJ, trata-se de um caso de “geração espontânea” em Direito Administrativo, “um ato que, na literatura de Nelson Rodrigues, teria como autor o ‘Sobrenatural de Almeida’, personagem clássico de sua crítica de costumes”.
O próprio Ministério do Trabalho reconhece, ao prestar informações no caso, a falta de processo administrativo próprio para a inclusão de empresas no cadastro de quem explora trabalho escravo. De acordo com as informações, a empresa vai para a lista por conta de um “consectário lógico-jurídico”.
Diz o MTE: o argumento da MRV “de que nunca foi ‘intimada da existência de um ato ou procedimento prévio, que pudesse dar ensejo à inclusão de seu nome no referido Cadastro’ é, com o devido respeito, improcedente. O ato de inclusão de um nome no cadastro não é um ‘ato de decisão’ como pretende categorizar a Interessada, mas simples consectário lógico-jurídico da aplicação do mesmo artigo 2º da Portaria Interministerial 2/2011/MTE/SDH”.
O procedimento por trás da linguagem burocrata é o seguinte: a empresa é autuada por conta de infrações às normas trabalhistas. É aberto um procedimento para o pagamento da multa. A companhia paga a multa. O procedimento é arquivado. Em seguida, por conta de um “consectário lógico-jurídico”, a empresa é listada no cadastro dos exploradores de trabalho escravo.
De acordo com o citado artigo 2º, “a inclusão do nome do infrator no cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo”. Os autos de infração não fazem referência a trabalho escravo, no caso da MRV.
A construtora foi multada por 11 infrações às normas trabalhistas. A empresa não nega as infrações, tanto que firmou recentemente três Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público do Trabalho para se adequar às regras exigidas em canteiros de obras das cidades de Bauru e Americana, em São Paulo, e Curitiba, no Paraná.
A autuação mais grave contra a construtora é por deixar de fornecer roupa de cama ou fornecê-las em condições inadequadas de higiene aos trabalhadores. Outras autuações se deram pela falta de exame médico admissional, pela falta de armários nos padrões exigidos por normas do MTE ou pela falta de bebedouros com jato d’água inclinado. São infrações trabalhistas que necessitam de reparo, mas que foram classificadas como exploração de mão de obra escrava pelo MTE.
A Portaria 1.153 do Ministério do Trabalho dá orientações objetivas para que auditores fiscais do Trabalho identifiquem e libertem trabalhadores submetidos à condição de escravos. A norma traz um questionário com quatro perguntas a serem respondidas para ajudar na identificação dessas situações: “Havia segurança armada? Impediram o deslocamento do trabalhador? Sistema de barracão ou servidão por dívida? Violência por parte do gato ou proprietário?”.
Nenhuma das situações descritas foi encontrada em obras de responsabilidade da construtora. Por conta das acusações, 17 sindicatos que representam trabalhadores que atuam em 85% dos empreendimentos da construtora enviaram cartas ao Ministério do Trabalho em defesa da empresa, afirmando que as infrações às leis trabalhistas não tornam a situação dos trabalhadores análoga à escravidão.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de janeiro de 2013