“MP da liberdade econômica” altera controle de duração do trabalho

15 de agosto de 2019

A Medida Provisória 881, conhecida como “MP da liberdade econômica”, inicialmente apresentada como proposta de desburocratização das atividades empresariais, acabou sendo ampliada, alterando diversos artigos da CLT, passando, inclusive, a ser considerada por muitos uma segunda fase da reforma trabalhista.

O presente artigo se limitará a analisar os possíveis impactos sobre o controle de duração do trabalho, tema crucial nas relações empregatícias e afetado pela medida provisória, a qual visa diminuir o papel regulatório do Estado, ampliando o espaço da livre-iniciativa econômica.

Tal MP dispõe no inciso II do artigo 3º ser direito de toda pessoa natural ou jurídica produzir, empregar e gerar renda, assegurada a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, desde que respeitada a legislação trabalhista.

Verifica-se que será mantida a necessidade da regulação jurídica da jornada, mas essa se dará de maneira diversa da que ocorre hodiernamente, não sendo mais exigida a anotação da jornada para as empresas com até 20 empregados, limite maior do que o vigente, que abrange apenas os estabelecimentos com até dez empregados.

Outra alteração, extremamente relevante, é a liberação do controle de ponto por exceção. Contudo, o que vem a ser referido controle? Tal modalidade é admitida pelo Tribunal Superior do Trabalho? Quais as vantagens e problemas que tal controle acarreta aos empregados e empregadores?

O controle de ponto por exceção é aquele em que apenas há o registro das horas extras à jornada de trabalho, não havendo o registro das horas ordinariamente trabalhadas, diferentemente do que determina o atual parágrafo 2º do artigo 74 da CLT.

Sobre o tema, importante mencionar que a Lei 13.467/17, no artigo 611-A, X da CLT, passou a autorizar a prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada em relação às disposições legais. Todavia, a jurisprudência do TST tradicionalmente entendia ser inválido tal regime de controle de ponto por exceção, mesmo havendo previsão em norma coletiva, por afrontar o disposto no artigo 74, parágrafo 2º da CLT, já que se trata de matéria afeita à segurança e saúde do trabalhador, e o reconhecimento das negociações coletivas contemplado na Constituição Federal não tem o condão de retirar direitos indisponíveis dos trabalhadores.

Decisão pioneira, proferida pela 4ª Turma do TST no julgamento do Recurso de Revista 2016-02.2011.5.03.0011, tendo como relator o ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, em 9/10/2018, reconheceu a validade de norma coletiva que autorizava a marcação somente das horas extraordinárias realizadas, sendo seguida por decisão recentemente transitada em julgado (24 de abril), nos autos do Processo TST-RR 1001704-59.2016.5.02.0076.

Ao que tudo indica, se a tendência já era no sentido de alteração da jurisprudência do TST em razão de o artigo 611-A, X da CLT autorizar a prevalência das normas coletivas que dispõem sobre a modalidade de registro de jornada em relação à disposição legal, com a publicação da MP 881/19 autorizando expressamente o controle por exceção, tal modificação se aprofundará. Nesse sentido, tal modalidade de controle poderá ser admitida não apenas para as negociações efetuadas de maneira coletiva, bem como as individualmente pactuadas (pelos que percebam remuneração superior a R$ 10 mil), nos termos da redação do parágrafo 3º do artigo 74, o qual ficará assim redigido se aprovada a medida provisória: “Fica permitida a utilização do registro de ponto por exceção à jornada de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.

Embora a MP, bem como os precedentes mencionados, seja importante para a desburocratização das relações de trabalho, importante verificar os prós e contras que a adoção desse controle acarretará. Por um lado, inegável a praticidade da administração de informações costumeiramente pouco variáveis que dispensam anotação, bem como a premissa da boa-fé entre as partes, desconstruindo o dogma de que nas relações de trabalho o Estado tenha que se posicionar invariavelmente com desconfiança do empregador. Por outro lado, há necessidade de respeito ao tempo diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em decorrência do contrato, visto que a forma de controle de jornada é premissa da correta observância dos direitos relativos à duração do trabalho, norma de caráter indisponível que não pode ser afastada por vontade das partes.

A medida provisória visa melhorar o ambiente de negócios no país, não sendo correta a pressuposição de que a adoção de tais medidas busca beneficiar grupos privados ou o poder econômico. Tais alterações, pelo contrário, se aplicam a todo e qualquer destinatário, partindo do pressuposto de que a interação entre os indivíduos deve ser efetuada de maneira benéfica a todos os envolvidos na relação.

De todo modo, a MP 881 não pode deixar de ser compreendida com base nos ditames constitucionais pertinentes, bem como nos princípios norteadores do Direito do Trabalho, cujo objetivo é assegurar a paridade nas relações de trabalho, naturalmente assimétricas.

Sendo assim, a medida provisória, com suas normas de proteção à livre-iniciativa e ao exercício da atividade econômica, deve ser aplicada considerando os ditames fundados na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, observando a justiça social e os princípios da soberania nacional e livre concorrência. Sobretudo, caso venha a ser aprovada pelo Legislativo, deverá ter, em princípio, sua deliberação respeitada pelo Judiciário, sem que este venha a se descurar dos valores fundamentais postos em discussão.

 

Conjur, 15 de agosto de 2019