MP de Guedes corta R$ 579 milhões em mensalidades de sindicatos

15 de março de 2019

Para Guedes, corte dos repasses se faz necessário em razão da natureza privada das entidades

 
 
William Castanho
SÃO PAULO
 
 
 

Novas regras para pagamento da contribuição sindical cortam repasses de mais de meio bilhão de reais por ano em mensalidades pagas por filiados a entidades de representação do setor público da União.

A informação consta da exposição de motivos da MP (medida provisória) sobre o tema. Assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o documento foi enviado ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) em 19 de fevereiro.

No dia 1º de março, Bolsonaro publicou no Diário Oficial as novas regras. Com força imediata de lei, o texto tem 120 dias para ser aprovado no Congresso Nacional.

A MP determina que o financiamento da entidade deve ser expresso, individual e por escrito. O pagamento será efetuado por boleto bancário ou outro meio equivalente.

O texto altera cinco artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), para, segundo o governo, barrar o ativismo judicial que autoriza recolhimento de contribuições aprovadas em assembleias.

A reforma trabalhista de Michel Temer (MDB) pôs fim à obrigatoriedade do imposto sindical. A regra foi considerada constitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A MP também revoga um dispositivo do Estatuto dos Servidores. Essa regra previa o desconto em folha de pagamento de mensalidades de funcionários filiados em favor do sindicato.

Agora, os servidores federais terão de pagar suas mensalidades por outros meios.

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A mudança, segundo Guedes, atingirá aproximadamente 480 mil funcionários da União filiados a cerca de 300 sindicatos e associações. Por ano, eram descontados em folha R$ 579 milhões.

“O custeio das entidades deve ser realizado por meio de recursos privados, provenientes das contribuições individuais dos servidores voluntariamente filiados, sem qualquer interferência, participação ou uso na administração pública”, afirma Guedes na exposição a Bolsonaro.

De acordo com Guedes, o corte dos repasses se faz necessário em razão da natureza privada das entidades e do dever estatal de não ingerir nas organizações sindicais.

A medida ainda desonera o poder público, segundo o ministro, de arcar com o recolhimento das mensalidades. Ele, no entanto, não aponta esse custo.

O dispositivo revogado também autorizava o desconto em folha de pagamento de contribuições definidas em assembleia.

Para Guedes, ao manter essas regras no Estatuto dos Servidores, “claramente, o Estado brasileiro estará privilegiando um grupo, já influente e próximo a tomadas de decisão, em detrimento dos demais cidadãos”.

O ministro afirma ainda que, “assim como ocorreu na relação entre Estado e Igreja, deve haver uma evolução no sentido de uma total autonomia na relação entre estado e entidades sindicais”.

“É seguro afirmar que, dessa forma, o Brasil avançará e modernizará a maneira como se dá a relação sindical, construindo uma relação mais sadia e adequada”, escreve.

Apesar de a MP alterar um dispositivo do Estatuto dos Servidores e cinco da CLT, mais da metade do documento de Guedes refere-se às contribuições do funcionalismo.

Contra o texto editado por Bolsonaro, até o momento, foram ajuizadas duas ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) no Supremo.

Em uma delas, de autoria da Conacate (Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado), a entidade pede liminar (decisão provisória) contra a MP.

“A exposição de motivos [de Guedes] deturpa fatos, uma vez que é consabido que o desconto em folha depende de filiação voluntária à associação e à autorização do filiado para desconto”, escrevem os advogados Cláudio Renato do Canto Farág e Felipe Teixeira Vieira.

Eles dizem também que “não há nenhum indicativo de gastos de impostos da população com o desconto em folha”.

Para Farág e Vieira, há urgência na análise do pedido.

“A matéria jamais poderia ter sido veiculada por meio de medida provisória, que causa danos irreparáveis com a impossibilidade prática de adequação à nova ordem que se quer impor sem prazo razoável”, afirmam.

Os advogados escrevem ainda que a folha de pagamentos do Legislativo e do Judiciário são fechadas no dia 12 e do Executivo, no dia 20.

O advogado Cleber Venditti, sócio do escritório Mattos Filho, afirma que a MP abre margem para mais questionamentos na Justiça.

Para ele, a medida não resolveu as dúvidas levantadas já na reforma de Temer.

“Os sindicatos vão contestar o aspecto formal da MP: a urgência e a necessidade. Em relação ao mérito, vão discutir a constitucionalidade”, diz Venditti.

“Antes o STF decidiu se a contribuição era facultativa. Agora a questão vai ser pode ou não aprovar em assembleia as contribuições. A questão só vai se pacificar definitivamente nos tribunais superiores.”

A ADI está sob a relatoria do ministro Luiz Fux.

 

Folha de São Paulo, 15 de março de 2019