O pensamento positivo infantilizado de torcer pelo Brasil de Bolsonaro

10 de junho de 2019

O impasse e o fundo do poço apontam para um desafio hercúleo do governo, qual seja, tentar mostrar que essa opinião pública pessimista é coisa do PT e de comunistas. Sim, porque apesar da infantilização dos adultos, principalmente, de amplos setores da classe média, a fé começa a se desmoronar como aqueles rumores subterrâneos que afloram aqui e ali em erupções inevitáveis pela superfície.

Álvaro Miranda*

 

O programa de despolitização promovido pelas forças do obscurantismo só tem sido possível, dentre outras coisas, graças à infantilização de adultos das mais variadas formas. E haja adulto nessa condição em todas as arenas sociais. A idiotice mais comum e emblemática é aquela segundo a qual precisamos ser “otimistas” e torcer pelo Brasil porque pensamentos ruins atraem energias negativas e não levam a nada.

O pensamento de que precisamos ter fé. Imbricada a essa noção está a ideia de que as críticas ao governo revelariam, na verdade, disposição contra o desenvolvimento do país. Coisa de comunista ou petista. Ou então que coisa mais chata essa de insistirmos em falar de política!

Ideia absolutamente obtusa e medíocre de gente que acredita nos slogans de efeitos pirotécnicos ou no messianismo de lunáticos. Ou de que a vida nacional é uma questão de golpe de sorte ou do acaso.

Ora, a infantilização passa pela disposição de acreditar num jornalismo que se transformou em propaganda e no mantra de um livre mercado que nunca foi livre em lugar algum do mundo (nem na época de Adam Smith), como se, destruindo a previdência pública, investidores privados viessem para o território nacional instalar empresas, criar empregos, ajudar no saneamento básico e nas obras de infraestrutura e contribuir para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da transferência de tecnologias.

Até agora o governo não conseguiu explicar como seria essa equação, isto é, a destruição de mecanismos fiscais, acompanhada do empobrecimento da população e a devastação de instituições, além das privatizações criminosas, para que a iniciativa privada promova o desenvolvimento e o bem estar da sociedade. Os 2 lados da equação (destruição da Previdência = desenvolvimento pelos investidores) são incongruentes, sendo que o segundo lado é uma quimera que só ingênuos ou mal informados acreditam.

Ora, investimento privado só acontece se houver investimento público — e mesmo assim com incentivos e subsídios do estado à iniciativa privada. O estado é o principal motor do desenvolvimento de um país, e não a ausência dele, conforme provam as experiências de diferentes países mundo afora. Sem empresas estatais ou com considerável controle do governo, convivendo ao lado de empresas privadas, não há desenvolvimento. Só com violência simbólica, chantagem e lavagem cerebral — só com muita repetição sistemática de mentiras pelas emissoras de televisão e as redes sociais, a trágica e esdrúxula ficção se transforma em realidade desejável.

O impasse e o fundo do poço apontam para um desafio hercúleo do governo, qual seja, tentar mostrar que essa opinião pública pessimista é coisa do PT e de comunistas. Sim, porque apesar da infantilização dos adultos, principalmente, de amplos setores da classe média, a fé começa a se desmoronar como aqueles rumores subterrâneos que afloram aqui e ali em erupções inevitáveis pela superfície.

A infantilização de muitos adultos pode ser exemplificada na total falta de noção de uma senadora (e isso porque ela é senadora) embasbacada e revoltada com a imprensa por conta da imagem negativa que Bolsonaro têm no Exterior. Sempre a imprensa culpada. “The Economist” é uma das culpadas! Onde essa senadora pensa que está? De onde desembarcou essa senadora? Parece ter caído de paraquedas do nada sem compreender o que está acontecendo no país e no mundo. Mesmo sendo pau mandado para externar sua indignação, um mínimo de bom senso talvez evitasse o comportamento bizarro de adolescente deslumbrada.

Apesar dos trancos e barrancos, os 30 anos de democracia brasileira mostram que governar um país é coisa de estadistas — e não de aventureiros cheios de rompantes. Muito menos de machos egocêntricos infantilizados. Um presidente do Brasil tinha certo fetiche por automóveis e detestava “carroças”. Acabou derrubado por um Fiat Elba.

Esses 30 anos mostram também que a grande corrupção não é essa supostamente descoberta pela República de Curitiba e que contribuiu para infantilizar as pessoas. Mas sim, dentre vários outros destroços, o desmantelamento das empresas estatais, a evasão de divisas, as dívidas de grandes empresas não pagas, a manutenção da pobreza e o conluio de políticos com forças rentistas que não estão nem aí para o bem estar da população.

Até o Papa Francisco vê o atual governo com pessimismo. E certas manifestações também do mundo jurídico começam a crescer, aqui e no Exterior, para engrossar as denúncias contra o golpe que derrubou Dilma Rousseff e as armações judiciais que resultaram na prisão absurda de Lula — sendo a assunção do atual governo o resultado dessa encrenca toda.

Em meio a esse nevoeiro pesado e obscuro, como ser otimista dentro de um navio à deriva? Só a infantilização da política e dos indivíduos, alimentada pela desinformação e por diferentes tipos de fetichismo, faz com que pessoas adultas assumam a platitude do otimismo reconfortante. Aquele otimismo que não consegue enxergar o impressionante crescimento do número de famílias morando debaixo das marquises da cidade. E como ser otimista ao chegar em casa à noite com os olhos impregnados por essa paisagem desoladora?

(*) Jornalista, mestre e doutor pelo Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da UFRJ. Publicado originalmente no portal Disparada

 

DIAP, 10 de junho de 2019