Segundo a Abed, plano do ministro a Economia “em tudo se parece” com o modelo da ditadura Pinochet. Revolta dos chilenos servirá como “alerta” aos políticos, diz professor da USP
O pacote anunciado nesta semana pelo ministro da Economia Paulo Guedes, somado a iniciativas como a “reforma” da Previdência e as privatizações já anunciadas pelo governo, dentre elas a abertura de capital da Eletrobras, colocam o Brasil na trilha do modelo neoliberal que foi aplicado no Chile, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Por lá, a redução abrupta do tamanho do Estado, que privatizou não apenas o sistema de aposentadorias como também os serviços de saúde e educação, fornecimento de energia e saneamento básico, produziu uma brutal concentração de renda, com uma insatisfação acumulada que culminou na atual revolta popular no país.
Por aqui, as medidas defendidas por Guedes – que chegou a fazer parte dos “Chicago Boys”, grupo de economistas que implementou o programa neoliberal no Chile – receberam críticas até mesmo de fontes ligadas ao mercado, como a economista Mônica De Bolle, que afirmou que o ministro estaria “preso nos anos 1970”. De viés mais progressista, o professor da Unicamp Guilherme Mello rotulou a proposta como um “AI-5 econômico“.
Para o coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Adroaldo Quintela, a redução de gastos obrigatórios e a revisão de fundos públicos têm como objetivo transferir recursos para o pagamento da dívida pública. “Estão tirando dos mais pobres, que são os que mais acessam o SUS e as escolas públicas, para pagar juros aos banqueiros e financistas. Essa é a essência do programa. Trata-se de um programa neoliberal, fora de moda.”
Ele diz que Guedes aproveita a fragilidade política de Bolsonaro em meio ao escândalo do possível envolvimento com a morte da vereadora Marielle Franco, para querer passar medidas contrárias aos interesses da população, como também de parte do próprio mercado. A chamada “PEC Emergencial” prevê a redução de 25% das jornadas dos servidores públicos, com redução equivalente dos salários por até 12 meses, em caso de crise fiscal nos entes federativos. “Vamos ter um brutal arrocho salarial, que vai impactar no consumo. Sem consumo, não haverá emprego nem estimulo aos investimentos, e as empresas vão quebrar.”
Comparações com o país vizinho
“Em tudo se parece com o modelo adotado no Chile. Primeiro, há uma tremenda redução do Estado para ampliar e privilegiar o mercado, os empresários, o capital financeiro, abrindo espaço para a privatização dos serviços públicos. É um governo que aposta fortemente na desnacionalização da economia, atentando contra a soberania nacional, não apenas entendida como a venda do patrimônio físico, mas sobretudo os direitos da população”, afirma Quintela. “O Brasil e o Chile são os países mais desiguais da América do Sul. No caso do Brasil, com esse pacote, a desigualdade vai ser ampliada ainda mais”, acrescentou.
A aposta da Abed é tentar aprofundar o “racha” na recepção da proposta, tentando influenciar diretamente os parlamentares sobre as consequências trazidas pela eventual aprovação desse pacote no Congresso Nacional. A associação também prevê a realização de debates e seminários em associações de bairro e sindicatos para alertar a população sobre os riscos da redução do Estado.
Frente ao caos social no Chile, que resultou na morte de pelo menos 23 pessoas, o professor visitante do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Vinicius Rodrigues Vieira, diz que a experiência do país andino deverá servir de alerta para o Brasil.
“Com a difusão de informações por redes sociais, as pessoas vão pensar. Inevitavelmente essa associação com o Chile vai ser feita. Vai depender das forças de oposição. Mais do que bater em Bolsonaro, que ainda goza de certa popularidade, a grande estratégia a ser explorada, não apenas pela esquerda, mas também por setores centristas que não engolem o atual governo, é insistir nessa comparação com o Chile”, afirmou o professor.
Ele disse não acreditar que possíveis manifestações contra as propostas do governo descambem para “um novo AI-5”, como sugeriu o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Também afirmou não ser correta a avaliação de que medidas ultraliberais, como as pretendidas por Guedes, necessitem obrigatoriamente de um regime de exceção para serem aplicadas, lembrando da Inglaterra de Margareth Tatcher e dos Estados Unidos de Ronald Reagan. Do contrário, ele diz que as ambições autoritárias da família Bolsonaro dependeriam de uma economia aquecida para serem apoiadas pelo empresariado e por setores da população, como ocorreu no chamado “milagre econômico“, durante a ditadura brasileira.