Governo quer incentivar consumo e combater excesso de trabalho, problema que tem causado várias mortes no país, em que se dá grande valor à ética do trabalho – e em que muitos funcionários se sentem ‘culpados’ por tirar férias.
Imagens de trabalhadores refletidas em vidro enquanto atravessam a rua durante a hora do almoço em Tóquio
(Foto: Thomas Peter/Reuters)
O governo do Japão quer incentivar trabalhadores a tirarem folga em uma manhã de segunda-feira por mês.
O objetivo do Ministério da Economia é reduzir o número de horas extras que os japoneses fazem e gerar um maior equilíbrio entre suas vidas profissional e pessoal.
A iniciativa é derivada de outra medida lançada pelo governo no ano passado para incentivar o consumo.
As companhias foram encorajadas a liberar os funcionários às 15h na última sexta-feira do mês, quando muitos recebem seus salários, para que as pessoas usem esse dinheiro para viajar e ir às compras.
O ministério diz que o novo plano é baseado em um experimento próprio, realizado na manhã de 27 de julho, quando liberou 30% de sua equipe.
Os resultados foram considerados positivos, e o ministério agora está elaborando uma proposta ao mundo corporativo japonês. Assim como o programa da sexta-feira, a adesão à inciativa da segunda-feira será voluntária.
No seu primeiro ano, o programa de incentivo à liberação das sextas após as 15h teve um resultado tímido, segundo o Ministério da Economiagoverno. Apesar de lojas e restaurantes oferecerem descontos para atrair clientes, só 11% dos funcionários de empresas tiram proveito do esquema.
A explicação: a última sexta-feira do mês é o dia em que empresas estão sob pressão para fechar as contas e entregar projetos.
Por isso, a ideia é oferecer, como alternativa, que os funcionários tirem livre a manhã da segunda-feira seguinte.
Excesso de trabalho
O Japão também está preocupado com as consequências para a saúde do excesso de trabalho.
Em 2016, uma pesquisa do governo com 10 mil trabalhadores descobriu que mais de 20% estavam fazendo mais de 80 horas extras por mês.
Desde os anos 1960, o país registra casos de karoshi, ou morte por excesso de trabalho, causada principalmente por doenças cardíacas e mentais associadas a horas exaustivas no emprego.
O governo reconheceu terem ocorrido 236 karoshis no ano financeiro de 2017.
Além disso, 208 suicídios foram oficialmente considerados karojisatsus, quando um trabalhador tira a própria vida por problemas mentais que podem ser ligados a experiências no ambiente profissional.
Mas especialistas dizem que essas estatísticas são apenas a ponta do iceberg. Cerca de 2 mil famílias pedem indenizações por casos de mortes similares todos os anos.
Um estudo de 2017 do Instituto Nacional Japonês de Segurança e Saúde Ocupacional identificou que suicídios estão aumentando especialmente entre pessoas com idades entre 20 e 29 anos.
Em um caso célebre, Matsuri Takahashi, uma funcionária de 24 anos do escritório de publicidade Dentsu, se matou após fazer mais de cem horas extras nos meses antes de sua morte, em 2015.
Autoridades japonesas concluíram que o volume de trabalho excessivo levou à morte da jovem. Em outubro, a empresa foi multada em apenas 500 mil ienes (R$ 20 mil) por permitir que ela ultrapassasse o limite de horas extras.
No ano passado, a emissora de TV NHK admitiu publicamente que a morte da repórter Miwa Sado de ataque cardíaco em 2013 também foi um caso de karoshi. A jornalista tinha 31 anos e havia feito 150 horas extras em um único mês.
E, em fevereiro passado, uma empresa concordou em pagar o equivalente a R$ 2,8 milhões à família de Kota Watanabe, de 24 anos, que morreu em um acidente de trânsito ao voltar para casa exausto após uma jornada de trabalho noturna.
O caso foi considerado um “alerta” ao mundo corporativo japonês e lançou uma luz sobre um fenômeno menos conhecido, o karo-jikoshi, ou morte por acidente resultante do excesso de trabalho.
Ética e cultura corporativa
“As longas horas de trabalho no Japão são um problema básico, que deriva da ética de trabalho e cultura corporativa enraizadas no ambiente profissional e no estilo de trabalho no Japão”, diz Sawako Shirahase, do departamento de Sociologia da Universidade de Tóquio, no Japão.
A especialista acredita que os programas lançados pelo governo são iniciativas “isoladas” e que beneficiarão apenas um número limitado de profissionais que trabalham nos escritórios de grandes empresas.
O profissional japonês trabalhou, em média, 1.710 horas em 2017, mais do que em outros países desenvolvidos da Europa, mas menos do que nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e em diversas nações emergentes.
No entanto, especialistas dizem que muitos funcionários trabalham mais horas do que é registrado.
Em uma tentativa de combater o problema, o premiê japonês, Shinzo Abe, impôs um limite de cem horas extras por mês. Partidos de oposição dizem que isso não será suficiente.
Na Coreia do Sul, onde o profissional médio trabalhou mais de 2 mil horas em 2017, grandes empresas foram forçadas a reduzir a semana de trabalho de 68 horas para 52 desde julho.
Além de programas de saúde mental e mais medidas do governo, Shirahase também pede “iniciativas fortes dos líderes nas empresas” para mudar a cultura de trabalho no país.
Em um ambiente em que o esforço e a lealdade são valorizados, gerentes esperam normalmente que seus funcionários parem de trabalhar depois deles.
De acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar, trabalhadores japoneses só tiram 8 dias de férias por ano, menos do que a metade do que poderiam tirar.
E, quando fazem isso, não parece ser uma experiência relaxante para alguns: uma pesquisa do site de viagens Expedia aponta que três a cada cinco sentem-se culpados por não trabalhar.