Sindicatos podem condicionar direitos dos trabalhadores ao pagamento de contribuição?

6 de fevereiro de 2019

Em São Paulo, por exemplo, entidade definiu que trabalhadores que não quiserem contribuiu devem também abrir mão das conquistas do sindicato

DIA DO BASTA EDIT 4 RthIhvFcNvu9CdzKok8IFoN 1200x800GP WebSindicalistas de Curitiba participam do Dia do Basta, manifestação promovida pela CUT, em 10 de agosto de 2018. André RodriguesGazeta do Povo”

 

Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter tomado uma decisão a respeito da contribuição sindical, modificada pela reforma trabalhista de 2017, há mais de seis meses, a retirada da obrigatoriedade do pagamento da taxa continua gerando polêmica entre entidades de representação de classe e trabalhadores. Especialmente porque com a perda de receita os sindicatos precisam encontrar outras formas de garantir sua manutenção.

A mais recente envolve o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo (SindPD), que definiu que os trabalhadores que não quiserem contribuir com o sindicato – e se opuserem por escrito ao pagamento de assistência à negociação coletiva – também devem abrir mão das conquistas do sindicato. De acordo com nota publicada no site da entidade, a mudança foi deliberada pela categoria em 14 assembleias realizadas no último mês de dezembro. 

“O tema foi levantado pelos trabalhadores que participam das assembleias, das greves, que contribuem com o sindicato regularmente e não acham justo que as pessoas que não querem contribuir também usufruam do mesmo benefício que os demais que pagam”, traz a nota. 

Os sindicatos são responsáveis por acordar com os patrões pontos como reajuste salarial, auxílio alimentação e participação em lucros e resultados. 

A decisão do SindPD foi alvo de pedido de instauração de inquérito civil ao Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas (SP), sob a alegação de que a carta de oposição à contribuição “coage quem se opor, forçando o mesmo (sic) a perder seus direitos trabalhistas já conquistados até a presente data”. 

Ao indeferir liminarmente o pedido, a procuradora do trabalho Juliana Rosolen acabou dando parecer favorável à atitude tomada pelo sindicato. No entendimento de Juliana, o legislador ordinário, ao elaborar a reforma trabalhista, estabeleceu uma situação caótica, já que o sindicato continuou representando toda a categoria em negociações coletivas, custosas à entidade, mas tendo que se manter apenas com contribuições voluntárias. Para ela, trata-se de uma situação insustentável do ponto de vista financeiro. 

“Se todos os trabalhadores se beneficiam da negociação coletiva, é legítimo que todos concorram para o seu custeio (…). Considera-se ser questão de justiça e equidade que apenas tenha direito aos serviços assistenciais prestados pelo sindicato quem contribui para sua manutenção; do contrário, haveria completo desestímulo ao pagamento da contribuição pelos trabalhadores ou mesmo exigência de serviços do sindicato sem a suficiente contrapartida”, anotou a procuradora na decisão. 

Lembrando que com a mudança na legislação, surgiu a oportunidade de trabalhadores poderem negociar diretamente com o patrão, sem a necessidade de intermediação do sindicato. A possibilidade só alcança, entretanto, aqueles funcionários que têm curso superior e salário acima de R$ 11 mil.

 

Tema controverso 

Antes da entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), todos os anos era descontado do salário do trabalhador, geralmente no mês de março, o equivalente a um dia de serviço. Com a nova disposição da lei, confirmada pelo STF, o desconto depende da anuência do empregado. A mudança legislativa derrubou em quase 90% a arrecadação de alguns sindicatos. 

Ana Paula Smidt, especialista em Direito do Trabalho do Custódio Lima Advogados, diz que ao mesmo tempo em que os sindicatos precisam encontrar alternativas para se manter, constitucionalmente as entidades de classe devem representar toda a categoria. 

“Os sindicatos necessitam de receita para poder continuar exercendo seu papel de defensor das classes por eles representadas, e tal medida é uma forma de viabilizar e sensibilizar empresas e trabalhadores a contribuírem com as entidades. Em contraponto, a Constituição Federal continua estabelecendo que a representação sindical deve abranger toda a categoria”, afirma, citando o artigo 8° da Constituição de 1988, que também prevê ser obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. 

No mesmo sentido, Camila Silva, do departamento de Relações do Trabalho do Braga Nascimento e Zilio Advogados, lembra que a Constituição também prevê que nenhum trabalhador deve ser obrigado a se filiar ou manter-se filiado à entidade de classe que o represente. Para ela, condicionar direitos acordados entre sindicatos e patrões ao pagamento de contribuição é ilegal. 

“É certo que o sindicato não pode excluir o trabalhador que exerce o seu poder de oposição”, opina. 

O advogado Luis Fernando Riskalla, do Leite, Tosto e Barros Advogados, diz que legalmente o sindicato representa a categoria, e não somente aquele que contribui para entidade sindical. Ele afirma que desde a entrada em vigor da reforma trabalhista os sindicatos têm buscado meios de retomar as contribuições sindicais. 

“Como os próprios sindicatos viram que o próprio STF, no decorrer das discussões, entendeu que era constitucional a parte da reforma trabalhista que tornava facultativa contribuição sindical, passaram a mirar em outros meios de tornar a contribuição obrigatória para o trabalhador. Alguns sindicatos tentaram negociar com as empresas no acordo coletivo e impor uma obrigação compulsória obrigatória – o que também não teve muita adesão”, conta. 

Assim como ocorreu com diversas disposições da reforma trabalhista, a questão, provavelmente, só será resolvida quando chegar ao Judiciário.

 

Gazeta do Povo, 06 de fevereiro de 2019