Trabalho infantil transmite e perpetua ignorância e penúria por gerações

13 de junho de 2019

Há quem diga que trabalhar desde cedo faz bem. Não é verdade! Trabalhar em vez de brincar e estudar causa males irreversíveis.

Quem perdeu o lado lúdico dos primeiros anos de vida ou a preparação educacional adequada na infância e adolescência certamente terá exponencialmente ampliadas as dificuldades de alcançar o pleno desenvolvimento biopsicossocial.

O trabalho precoce subtrai horas de lazer e estudo. Com isso, gera adultos frustrados, infelizes, despreparados para competir com aqueles que puderam dedicar seu precioso tempo às brincadeiras, otimização e potencialização de seus talentos e capacidades.

A equação, portanto, é perversa. Quem nasceu econômica e socialmente menos favorecido tem como triste sina a eternização da miséria. O trabalho infantil tem, na pobreza, causa e consequência. É um círculo vicioso, que se retroalimenta.

A pobreza conduz ao trabalho precoce. O trabalho antes da idade ideal provoca evasão escolar ou, no mínimo, cansaço, desmotivação, desinteresse e, consequentemente, baixo rendimento escolar. A exclusão do processo educacional ou o processo formativo incompleto, falho, comprometido, gera pessoas com inaptidão cognitiva e intelectual e sem qualificação profissional. Tais pessoas, em razão do despreparo, estão fadadas ao desemprego ou, se muito, ao subemprego. Da ausência de renda ou dos salários aviltados pela baixa ou nenhuma qualificação resulta aquilo que foi causa do trabalho infantil: pobreza. E assim, de pai para filho, transmitem-se e perpetuam-se ignorância e penúria.

Poucos compreendem que o trabalho infantil não destrói só a infância e a perspectiva de futuro de quem o pratica. Ele compromete, também, nossa capacidade de desenvolvimento como nação.

Hoje, 12 de junho, é o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, no Brasil, foi transformado também em data nacional de combate ao mesmo flagelo (Lei 11.542/2007).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, em 2017, que no ano anterior, 2016, tínhamos ainda 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos sendo explorados pelo trabalho. Como, em razão de mudança metodológica, desprezou 716 mil na mesma faixa etária que trabalhavam para o próprio consumo, é correto afirmar que o quadro era mais grave: 2,52 milhões de trabalhadores infantis. São os números disponíveis mais recentes.

Em 19 de julho, anuncia o IBGE, será retificada a pesquisa de 2017 e divulgados os novos resultados (de 2018), observando parâmetros traçados em resolução da OIT.

Claro que as piores e mais rudes formas, como descascar mandioca em farinheiras com afiadas facas, quebrar pedras em pedreiras, amassar barro em olarias, cortar cana na lavoura, expor-se à fuligem e degradação em carvoarias, vender doces em faróis, ser aviãozinho do tráfico ou vítima de exploração comercial sexual e tantas outras assemelhadas, são modalidades que chocam e repugnam muito mais.

Certamente elas, as piores formas, são as maiores responsáveis pelas 261 mortes ocorridas nos últimos 11 anos (de 2007 a 2018), conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde, reproduzidos pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

Sem considerar a subnotificação e/ou estabelecimento de conexão com o trabalho, outras 662 crianças perderam pelo menos uma das mãos trabalhando no mesmo período.

De 2007 a 2018, foram 26.365 acidentes graves envolvendo crianças e adolescentes enquanto trabalhavam. No total, 43.777 agravos à saúde relacionados ao trabalho de meninos e meninas brasileiros, vítimas da tragédia diária do trabalho prematuro.

Mesmo em atividades tidas por glamourosas, porém, trabalhar cedo pode ser sinônimo de tragédia anunciada. No trabalho infantil artístico, danos físicos e psicológicos têm sido reportados. No desportivo, o futebol, paixão nacional, faz também suas vítimas. É marcado por riscos diversos em alojamentos de categorias de base, dos quais o exemplo recente mais emblemático é o do Ninho do Urubu, em que 10 adolescentes morreram asfixiados pela fumaça e/ou queimados vivos em razão de incêndio nos contêineres nos quais foram instalados para morar por um dos maiores e mais ricos clubes do país.

O que dizer, então, da noticiada dação em pagamento de um atleta de apenas 11 anos de idade a um empresário, que nos remete à escravatura.

Não há mais tempo nem deve haver tolerância. Basta! Precisamos cuidar das nossas crianças e adolescentes.

A família, a sociedade, a comunidade e o Estado, independentemente da ordem em que forem exigidos, têm o dever constitucional (artigo 227 da CF) e legal (ECA) de propiciar-lhes proteção integral e absolutamente prioritária. Juntos precisamos dizer um sonoro “não” ao trabalho infantil e um vibrante “sim” à educação.

 

Conjur, 13 de junho de 2019