Walter Barelli: a economia do ponto de vista do trabalhador e ‘vários tijolos’ na agenda nacional

22 de julho de 2019

Diretor-técnico do Dieese durante 22 anos e ex-ministro do Trabalho, economista morreu ontem à noite. Completaria 81 anos na semana que vem.

 

Militante do movimento estudantil, bancário, corintiano, economista, ministro e secretário do Trabalho, deputado e professor, Barelli deixa legado e história no sindicalismo – MARCIA MINILLO/RBA

 

“Muita coisa que aconteceu na Constituição do Brasil foi por causa do Dieese. Nós conseguimos colocar muita coisa na agenda política nacional. Então é possível a um órgão pequeno colocar seu tijolinho em uma grande construção. Eu acho que o Dieese não colocou um, colocou vários tijolos.”

As observações acima, do economista Walter Barelli, foram dadas para um projeto denominado Memória Dieese, instituto de pesquisa e estudos criado em 1955, para contestar as estatísticas oficiais, e que ele conheceu como poucos, com uma trajetória de 25 anos, de 1965 a 1990, sendo 22 como diretor-técnico. Filho de um mecânico de manutenção e de uma tecelã, militante na universidade, bancário, corintiano, economista, ministro e secretário do Trabalho, deputado federal e professor, ele morreu na noite de ontem (18), uma semana antes de completar 81 anos. Estava internado havia três meses, em decorrência de uma queda durante evento em São Paulo. Viúvo, deixa três filhos (Suzana, Paulo e Pedro).

Barelli pensou em estudar Administração, mas o salário de funcionário do Banco do Brasil não era suficiente para pagar a mensalidade. Prestou vestibular e foi um dos primeiros, entrando na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP). Formou-se em 1964 e não teve formatura, por causa do golpe. Nesse período, militou na Juventude Universitária Católica (JUC), que ajudou nas suas reflexões sobre os problemas brasileiros. Passaria também pela Ação Popular.

 

Ditadura e inflação

O economista entrou no Dieese em um período de perseguição ao movimento sindical, que sustentava o instituto, desativado em um primeiro momento e rearticulado aos poucos, sem deixar de sofrer tentativas de fechamento por falta de recursos. Mas resistiu e ganhou notoriedade externa em 1977, depois que um relatório do Banco Mundial mostrou manipulação nos dados oficiais de inflação no Brasil em 1973 – a estimativa mais próxima da realidade era a do Dieese. Nesse período, em 1975, o Dieese lançou um estudo chamado 10 Anos de Política Salarial, sobre o período autoritário. Os autores foram Barelli e o também economista Cesar Conconne.

O episódio das perdas inflacionárias de 1973 deu impulso às campanhas salariais a partir de 1977 e 1978 – um dos que telefonaram a Barelli querendo informações foi o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (atual sindicato do ABC), Luiz Inácio da Silva, o Lula. A descoberta do “erro” na inflação oficial irritou o ministro da Fazenda em 1973, Delfim Netto, que atacou o Dieese e, em resposta, foi chamado de “lobo que perde o pelo”.

Barelli chegou a ser preso em 1979, primeiro ano do governo João Figueiredo, o último dos presidentes-generais. Em um dia de visita de Figueiredo a São Paulo, para tentar garantir que não houvesse protestos, os órgãos de segurança passaram a “recolher” pessoas. Barelli passeava perto de casa de bicicleta, sem camisa, quando foi levado para o Dops. Foi liberado no início da tarde, e disseram que havia sido um “lamentável engano”.

 

Pelo contrato coletivo

O economista deixou o Dieese no início de 1990. Foi dar aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ao mesmo tempo, colaborou, durante quase dois anos, como coordenador da área econômica do chamado “governo paralelo” criado por Lula após as eleições presidenciais de 1989, quando perdeu no segundo turno para Fernando Collor. Em 1992, veio o impeachment e assumiu o vice, Itamar Franco, que levou Barelli para o Ministério do Trabalho. Ali, até 1994, ele fez uma verdadeira cruzada pelo país, visitando entidades de trabalhadores e patronais, em defesa do contrato coletivo de trabalho, um esforço para tentar modernizar as relações capital-trabalho no Brasil, uma de suas bandeiras. Também teve divergências com o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, por querer mais participação de sua pasta na formulação do Plano Real.

Em São Paulo, foi por duas gestões secretário estadual de Emprego e Relações do Trabalho, de 1995 a 2002, nos governos de Mário Covas, que morreu em 2001 e foi substituído pelo vice, Geraldo Alckmin. Também exerceu parcialmente mandato de deputado federal, entre 2005 e 2007, pelo PSDB, cuja filiação manteve.

À frente do Dieese, acostumou-se a confrontar, tecnicamente, as autoridades de plantão e os adversários do movimento sindical. Durante a eleição de 1989, um porta-voz da candidatura Collor encrespou-se com o instituto. Barelli reagiu afirmando que os sindicatos nunca pediram que houvesse manipulação de dados e acrescentou: “A classe operária é muito mais digna que os governantes”.

O atual diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, prestou homenagem a Barelli. “A competência na condução dos trabalhos, a combatividade, o espírito agregador e a habilidade política foram fundamentais para a consolidação do Dieese como órgão de assessoria e pesquisa, com reconhecimento em toda a sociedade, e pela contribuição expressiva da instituição no fortalecimento dos sindicatos em plena ditadura militar”, afirmou em rede social. “Os funcionários do Dieese lamentam profundamente a perda e, como não poderia deixar de ser, seguem carregando as bandeiras defendidas por Barelli durante a vida toda: o fim da desigualdade, a distribuição da renda e o emprego de qualidade.”

 

RBA, 22 de julho de 2019